No
castelo tenebroso, estava um ambiente de cortar à faca! As três bruxas não
faziam outra coisa senão resmungar, lamentar-se e dar largas à fúria, com
pontapés nos gatos e vassouradas nos morcegos.
-
Não há dúvida! - berrava a mais velha. - Vivemos aqui há séculos e nunca o Pai
Natal se lembrou de nós!
-
Nunca, por nunca ser, tivemos um presente no sapatinho!
-
No sapatinho? Tu queres dizer “no sapatão”. Ora, olha bem para o tamanho do teu
pé. Calças para aí o quarenta e quatro – respondeu-lhe a irmã mais nova, cheia
de maldade, ou não se chamasse ela Rosa Maldosa.
Ao
ouvir aquilo, Rita Maldita saltou de trás do caldeirão onde borbulhavam poções
maléficas e deu-lhe um estalo.
-
Toma que é para aprenderes. Já sabes que não tolero que falem do tamanho dos
meus pés!
A
outra não se ficou e puxou-lhe os cabelos com toda a força. Seguiu-se uma das
cenas habituais. Faísca daqui, faísca de acolá, bombardearam-se com doses
maciças de choques eléctricos e insultos da pior espécie.
-
És horrorosa, Rosa Maldosa!
-
E tu nem chegas a ser parva... és parvalhita, Rita Maldita!
A
irmã do meio assistia, abanando a cabeça com visível enfado. Como é que haviam
de ter presentes, se se portavam daquela maneira? Brigas constantes afugentavam
qualquer Pai Natal bem intencionado. Gostaria de lhes fazer ver que assim não ganhavam
nada. Mas sabendo que qualquer argumento seria inútil, agiu à sua maneira:
puxou a corrente que segurava o caldeirão e, com um gesto seco e firme, plof!,
despejou-lhes o líquido verde em cima.
-
Ai!! - berravam ambas, enquanto sacudiam a roupa encharcada em óleo e enxofre
repletos de rabos de lagarto e pernas de rã. - Destruíste a nossa poção mágica!
-
Claro que destruí! Vocês já sabem como eu sou!
-
Sabemos, sim, Conceição Maldição! Nenhum outro nome te assentaria melhor.
Se
não fossem bruxas, a zanga acabava de outra forma. Mas eram. E não há nada mais
estimulante para uma bruxa do que um banho malcheiroso e a escaldar. As duas irmãs
ainda não se tinham desembaraçado da mistela pegajosa, já engendravam planos formidáveis,
que a outra aceitou com grande entusiasmo.
-
Vamos ao Pólo Norte dizer umas verdades ao Pai Natal!
-
Boa ideia!
-
Eu cá não saio do armazém sem escolher um presentão. E quero-o embrulhado num
papel bonito.
-
E laço de cor viva!
-
Pois. E cartãozinho com o nome escrito ...
-Sim,
sim!
-Hi!
Hi! Hi!
Num
ápice, foram ao baú onde guardavam as casacas de toupeira para ocasiões muito
especiais e agasalharam-se. Não era preciso deitarem-se a adivinhar. Sabiam que
o vento daquelas bandas era gélido!
Depois
assobiaram para chamar as vassouras, montaram e lá foram pela janela fora!
Nenhuma confessou, mas iam radiantes!
A
viagem foi mais rápida do que esperavam, porque o tal vento gélido soprava de
feição. E não lhes custou nada darem com o sítio, pois o armazém dos presentes
erguia-se na ala de um bosque magnífico, em que todas as árvores eram árvores
de Natal. E cada uma mais bonita do que a outra! Bolas, laços, fios, chocolates,
tudo pendurado com gosto e requinte. Havia também luzinhas de cores diferentes,
umas fixas, outras a piscar, como
nos aeroportos.
Aterraram portanto sem dificuldade e foram entrando sem pedir licença.
O
Pai Natal, coitado, quando as viu pela frente teve um baque. Que lhe quereriam aquelas
três loucas? O mais certo era virem empatá-lo e o pior é que já só tinha uma
semana para organizar os lotes das prendas. Tentou encontrar uma boa desculpa
para as mandar embora, mas elas não lhe deram tempo e desataram numa gritaria
infernal.
-
Viemos protestar!
-
Exigimos justiça!
-
Nós também temos direito. Queremos prendas!
-
Prendas como as outras pessoas!
-
Não temos culpa de sermos bruxas.
-
Nascemos assim, temos que fazer maldades.
-
Foi por isso mesmo que nos deram estes nomes começados por mal: Maldosa,
Maldita, Maldição!
O
pobre velhote deitou as mãos à cabeça. Que havia de fazer para se ver livre
delas?
-
Vocês sabem muito bem que não posso dar presentes a quem faz patifarias -
arriscou com voz débil.
A
resposta veio sem frases que se atropelavam num frenesim:
-
Patifarias? Patifarias não!
-
Asneiras! Pequenos disparates como toda a gente.
-
Claro! Somos bruxas, fazemos bruxarias.
-
Tudo coisas sem importância: poções para tornar amargo qualquer doce, pozinhos
para as crianças poderem arreliar as pessoas mais velhas ou xaropes para as
pessoas mais velhas obrigarem os mais novos a irem para a cama.
-
Só usamos produtos de primeira qualidade! Unhas de dragão, patas de morcego, asas de mosca ...
-
Ou de vespa!
-
É verdade, já me esquecia - disse Rosa Maldosa como quem cai em si. - Onde é
que vocês puseram o meu frasco de asas de vespa?
-
Não sei. Eu não mexo nas tuas coisas.
-
Nem eu.
-
Mexem sim, mentirosas! Não posso ter nada que vocês não gastem. E nem sequer pedem
autorização!
Receando
que discutissem toda a noite, o Pai Natal ordenou:
-
Calem-se! Se não se calarem imediatamente garanto-vos que nunca na vida hão-de
receber um presente.
A
ameaça funcionou. Muito juntas foram-se chegando para ele. Pela conversa, pareceu-lhes
que encarava a hipótese de as presentear.
-
Vão-se embora - pediu o Pai Natal, agora mais calmo. Deixem-me trabalhar
sossegado.
Não
prometera nada, mas havia qualquer coisa no tom de voz que lhes deu esperança.
Esperança de ver um daqueles lindos embrulhos cair pela chaminé.
Abandonaram
então os modos agressivos, despediram-se e retomaram viagem.
De
regresso ao castelo tenebroso, lembraram-se que as vassouras podiam ser usadas para
outros fins que não o voo e, pela primeira vez em séculos, limparam teias de
aranha, caganitas de rato e camadas de pó acumulado nos cantos, pondo grande
esmero nas pedras da chaminé que ficaram rebrilhando sem uma ponta de fuligem.
Depois, que longa espera! Nunca mais chegava a noite de Natal. Nunca mais
chegava a hora de saber se desta vez, sim, seriam contempladas. Mas valeu a
penal Era meia-noite em ponto quando ouviram uma restolhada sobre as telhas. Pé
ante pé foram espreitar e, oh! maravilha! as renas lá iam deslizando pelo céu
ao som dos guizos que tilintavam.
Do
Pai Natal só se via a silhueta gorda e o bafo de vapor provocado pelas risadas
alegres de quem está satisfeito com a sua missão. Na chaminé desciam lentamente
três embrulhos, tão lindos como nunca tinham visto outros!
Ansiosas,
precipitaram-se para saber qual era o seu. E o coração derreteu-se-lhes quando
deram com os olhos nos cartõezinhos:
-
Oh! Já viste o que o Pai Natal escreveu?
-
Que querido!
-
Adoro o Pai Natal!
-
É o velho mais simpático do universo!
A
alegria tinha razão de ser. O Pai Natal, em vez de usar os nomes delas,
escolhera outros mais a seu gosto: Rita Bonita, Rosa Cheirosa, Conceição
Bom-Coração.
Nunca
ninguém lhes tinha chamado assim e sentiram-se tão felizes que, por um momento,
desejaram proceder como o Pai Natal, apeteceu-lhes alterar as coisas,
substituir malefícios por benefícios, enfim, apeteceu-lhes deixar de ser
bruxas.
Mas
quem é que pode fugir ao seu destino?
Ainda
não tinha batido a uma hora, já andavam à bulha com inveja do presente das irmãs.
Sem comentários:
Enviar um comentário